1 de novembro de 2013

Rei Peste II


Ele se achava poderoso e criativo. Esse era Jonas, quando criança lera Poe e Dickens, se considerava justo e humanista. Mas era o próprio Scrooge encarnado, não por que era rico e avarento. Avarento era por atenção, a queria toda e de todos, mataria por ela, não temesse a justiça divina, e também a humana. Dentre todos os causos em que se envolveu, sem menor sombra de duvida o mais assustador deles lhe ocorrera a muitos anos atrás.

Por ocasião da abolição da escravatura um rico advogado da capital, a favor da causa, resolvera dar uma festa em comemoração a libertação. Convidou vários homens e mulheres, ilustres defensores da causa e outros sem opinião, entre eles um homem do exército, tal Deodoro; Convidara também negros recém libertos e nascidos livres. Entre os convivas estava Jonas, moço, um respeitável bigode contornava-lhe o lábio e combinava perfeitamente com o terno preto impecável.
A festa já ia lá pelas tantas quando de súbito o homem decidiu que devia falar, e faria um discurso breve sobre a vitória. Falara demasiado, ou o fino espumante falava por ele, de forma que suas palavras teriam sido melhores ele zombasse do Imperador. Dois ou três saíram em seu encalço quando Jonas e seu Pajem desembestaram viela abaixo. Fizeram esquina onde não havia e sumiram na escuridão do Rio.
 - Onde estamos Nestor? - perguntou ao pajem
 - Não sei não Senhor.
 - Pois não aja como asno. - respondeu Jonas acertando com a nobre bengala o pobre Nestor - Olhe adiante, bata à porta e pergunte, se a casa for limpa me traga também água ou vinho - completou apontando para a única construção que emitia uma fraca luz de fogo.
Nestor foi, mas não voltou. O homem esperou um quarto de hora por seu pajem, quando a sede e o frio resolveram açoita-lo ao mesmo tempo decidiu que era tempo de procurar seu servo. Bateu na porta de madeira, que produziu um estranho barulho e se abriu, Jonas vasculhou o recinto com sua visão e pode distinguir um candelabro a direita e uma mesa com muitos vultos a esquerda, escondidos pela escuridão no que parecia uma copa e sala de estar.
 - Nestor! - chamou.
 - Nestor está aqui, mas não lhe serve mais - respondeu uma voz que parecia vinda do além.
 - Não me aborreça, onde está meu pajem?
 - Sou um bom anfitrião - desconversou a voz - tome lugar na nossa reunião, aqui tem de beber e de comer.
A porta fechou-se com estrondo atrás de Jonas, que sem mais opções e assustado sentou-se a mesa. Uma mão feita de ossos e pele lhe serviu, e ele comeu e bebeu em silencio, ao fim tentou se adaptar a completa escuridão para enxergar seus anfitriões.
 - Parece que ele não consegue enxergar assim - dizia uma voz feminina em tom de zombaria.
 - Nestor, traga luz para seu antigo mestre - Ribombou a forte voz anterior.
Jonas se sentia cada vez menos confortável, suor frio lhe escorria pela face e a atmosfera do lugar lhe oprimia, um cheiro forte de cravo penetrava-lhe as narinas. Algo se movimentou na mesa e foi possível ouvir passos sobre o assoalho, acompanhando o som era possível distinguir  o candelabro que se movia e o homem que o carregava, Nestor, a pele colara em seus ossos, como se não houvesse nada entre eles e o corpo adquirira uma tonalidade pálida, quase cadavérica. Seu antigo mestre observava assustado, um pouco embriagado pelo vinho, mas as formas que via eram inconfundíveis e quando se virou para a mesa a luz se aproximava ele pode ver ali, envolto em sua mortalha e cercado por seus comensais, um dos temíveis pesadelos de Poe, o Rei Peste o fitava maleficente.

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